Fundamentos da confiança (para incorporadores e outros)
- Renê Ruggeri
- 1 de jul.
- 4 min de leitura
A confiabilidade de pessoas e empresas é um tema de destaque, afinal, as relações comerciais são fundamentadas na confiança. Em alguns mercados isso é especialmente verdade, pois os benefícios da relação, em geral para um dos lados principalmente, só são percebidos após um prazo considerável. O exemplo que queremos focar é o da incorporação imobiliária. Neste setor do mercado de construção, o comprador ou investidor aplica seus recursos numa aquisição vultuosa que só se concretiza anos depois. Ou seja, o negócio é feito com base na confiança que uma parte tem na outra, crendo que a promessa de entrega do imóvel será cumprida após anos de pagamento.
Obviamente, o que leva alguém a assumir um negócio nesta base é uma confiança consistente na outra parte. Como essa confiança é construída para que o negócio seja efetivado? Esta é a questão a ser explorada.
Confiança é, de fato, uma consideração que uma parte faz sobre o comportamento futuro da outra parte, sem que tenha muito como interferir nisso. Confiamos, por exemplo, que o sol nascera no dia seguinte. A criança confia que a mãe a segurará ao pé do escorregador. Em razão dessa confiança, planejamos e decidimos. A quebra da confiança é uma quebra em nossos planos, nossas vidas.
Confiança não é algo que se estabelece gratuitamente, é preciso construí-la. Mesmo que recebamos votos de credibilidade emprestados de alguém que nos indica, essa é uma confiança tênue, pois pode ser implodida na mais leve quebra de expectativas.
Etimologicamente, confiança tem origem similar à de fé (com fé). Trata-se de um conceito difundido em praticamente todas as nossas relações com pessoas e o mundo.
Uma rápida pesquisa na internet trará como fundamentos da confiança características como:
Relacionamento positivos, bom julgamento, consistência
Empatia, ética, competência
Sinceridade, competência, história pregressa
Ética, inteligência emocional e lógica
Consistência, credibilidade, transparência, competência
Integridade, competência, consistência, lealdade
etc. etc. etc.
Veja que há diversas abordagens para a confiança. Vamos reuni-las em cinco fundamentos que nos parecem abrangentes e práticos, pois é nossa intenção permitir que os fundamentos da confiança possam ser traduzidos em ações ou comportamentos práticos de empresas e profissionais.
Coerência – A empresa ou profissional cumpre o que promete. O discurso comercial é compatível com a prática e com os documentos contratuais.
Competência – A empresa ou profissional demonstra capacidade técnica e gerencial para realizar o que se propõe.
Integridade – A atuação é ética, transparente e justa, mesmo em situações adversas.
Benevolência – A empresa ou profissional demonstra interesse genuíno no bem-estar do cliente e se posiciona de forma empática.
Constância – A empresa possui histórico confiável e uma reputação construída ao longo do tempo.
Está claro que construir e manter a confiança do mercado em sua atuação, seja você empresa ou profissional, depende de muita coisa. Mas está claro também que a maioria delas, senão todas, são aspectos comportamentais que transparecem. Cabe aqui a explicação de que alguns destes aspectos podem ser traduzidos nos processos organizacionais, mas outros são inerentes ao comportamento dos representantes da empresa.
Exatamente por depender de tantos aspectos, é muito fácil que aqui ou ali se quebre algum nó dessa rede que sustenta a confiança e, então, ela precisa ser gerenciada permanentemente. A cada problema que a afeta é preciso agir para reconstruir ou reforçar sua fundação abalada. Vale destacar que a constância é um fundamento da confiança, ou seja, esse trabalho de cuidado compõe, por si mesmo, um fundamento da confiança.
Mas a confiança, no campo pessoal e organizacional, é como uma ponte de vidro: transparente, delicada, e capaz de suportar muito peso — até o primeiro trincado. Esse trincado tende a crescer e se consolidar como uma cicatriz se nada for feito para saná-lo, sobretudo com integridade e benevolência.
Cada fundamento tem sua fragilidade e demanda atenção específica:
Coerência: uma única contradição entre o que foi prometido e o que foi entregue pode gerar um sentimento de engano.
Competência: a percepção de amadorismo em uma única entrega ou resposta pode comprometer a confiança na capacidade técnica geral.
Integridade: qualquer atitude percebida como desonesta ou manipulativa, por menor que seja, pode ser vista como indicativo de má-fé sistêmica.
Benevolência: um único atendimento frio, desrespeitoso ou impaciente pode anular meses de relacionamento próximo e cuidadoso.
Constância: um episódio negativo recente pode ter mais peso na memória do cliente do que anos de bom histórico.
A confiança é cumulativa, mas sua perda é instantânea. Por isso, incorporadoras e empresas em geral precisam tratar a confiança como um ativo frágil e vivo, que exige vigilância constante em cada pequena ação. Não basta ser confiável em essência — é preciso agir de forma confiável em todos os detalhes.
Como agir em caso de confiança abalada para retomar sua credibilidade?
Quando há quebra de confiança, a dúvida que se instala não é apenas se a empresa pode entregar, mas se ela quer agir corretamente. A percepção ética e a transparência na condução da crise são os primeiros filtros que o cliente irá usar após a falha. A integridade na condução da crise de confiança é muito crítica.
Após uma quebra de confiança, há feridas emocionais: o cliente/investidor se sente desrespeitado, enganado ou negligenciado. Demonstrar genuíno interesse pelo bem-estar dele (benevolência) ajuda a reabrir o canal relacional. Sem benevolência percebida, o ressentimento persiste, mesmo que a empresa corrija o problema técnico.
A coerência ganha importância após o reparo inicial e serve para reconstruir previsibilidade.
A competência é importante para restaurar a segurança futura, mas sozinha não gera perdão. Confiança não é uma questão técnica que se resolva com uma ação objetiva de produção.
A constância atua a longo prazo, consolidando uma nova fase da reputação.
Na quebra de confiança, o cliente/investidor precisa primeiro saber que a empresa foi justa (integridade), depois sentir que ela se importa (benevolência), e só então voltar a confiar que ela pode entregar (competência e coerência).
Infelizmente, não há formação técnica em Arquitetura, Engenharia ou Construção que prepare um empreendedor para gerir este contexto e, então, é comum ver intercorrências que seriam facilmente solúveis virar problemas complexos. É preciso agregar, à empresa ou ao empreendimento, competências para gerenciar a confiança. E competência consiste em conhecimentos, habilidades e atitude.
É possível buscar conhecimentos e habilidades em um apoio consultivo, mas atitude é indelegável, o próprio empreendedor deve ter essa pré-disposição de espírito com coerência, competência, integridade, benevolência e constância.
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