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Pessoa jurídica vai ao médico?

Poucas pessoas se dão ao trabalho de explorar as analogias possíveis entre pessoas físicas, nós, e pessoas jurídicas, nossas organizações (públicas, privadas, filantrópicas etc.). É, contudo, extremamente fértil essa reflexão e surpreendentemente esclarecedora de alguns conceitos aparentemente difíceis.


Experimentemos uma destas analogias e o que podemos retirar dela de aprendizado. Não nos referimos apenas a uma analogia superficial, a ideia aqui é buscar algo mais profundo e consistente.


Vamos lá...


Uma pessoa quando está adoecida, procura normalmente um médico, certo?

Não, errado!


Não sei se é o seu caso, mas sou capaz de apostar que é. O mais comum é esperar um pouco até que a doença piore e em muitos casos a pessoa tenta a automedicação, até perceber que não está funcionando. O médico nem sempre é a primeira opção entre as alternativas. Dá mais trabalho, é caro e parece invasivo, afinal um estranho vai se inteirar de detalhes particulares da sua vida, da sua saúde. E alguns problemas podem ser constrangedores. É comum, inclusive, que ele te repreenda em função de alguns hábitos que você cultiva. Como a repreensão quase sempre vem com a suavidade do profissionalismo, você se dá ao direito de não toma-la com a seriedade que merece.


Sabe-se, por experiência ou por dedução lógica, que quanto mais cedo se busca apoio de um especialista, a chance de cura é mais certa, rápida e barata. Mas, ainda assim, procrastina-se até que se fique prostrado (usei ambas as palavras de propósito). “Pro” é prefixo que significa “à frente”; em procrastinar indica adiar para depois e em prostrado indica submissão frente a algo (uma força) reconhecidamente superior.


Pois bem, uma vez prostrado, não resta alternativa a não ser solicitar apoio do médico especialista, aquele que tem a força capaz de enfrentar aquilo que te prostrou (enfrentar é palavra novamente proposital, relacionada com à frente). O médico o apoia no sentido de equilibrar a luta.


Mas há um detalhe: o médico te indica o remédio, mas não o toma para você. A luta é sua, pois o problema é seu, a saúde é sua e a vida, ou necessidade de viver, é sua. O médico lhe dá a chance de levantar-se e lutar em vez de se manter resignadamente prostrado.


Falo do médico, mas, claro, para problemas específicos, há outros profissionais de saúde bem indicados.


Assim é com as pessoas físicas! Mas pessoas jurídicas vão ao médico?

Se fossem, por analogia, seria quando estão adoecidas. Como é a doença em uma pessoa jurídica? Será que ela é consumida por vírus?


Ora, uma doença manifesta-se por produzir um mal funcionamento no organismo de uma pessoa, muito provavelmente por consequência da introdução de substâncias ou hábitos pouco apropriados. Uma intoxicação alimentar, um sedentarismo, um esforço além do suportável etc.


Uma pessoa jurídica tem seus processos que garantem seu funcionamento, sua vida. Estes processos devem operar bem, para que não precisem de uma operação cirurgicamente corretiva (não resisti ao trocadilho com a palavra operação). Introduzir elementos estranhos nestes processos orgânicos (ou organizacionais) de forma aleatória nem sempre gera bons resultados. Mesmo elementos comuns em dosagens exageradas são um risco. Gestores adoram estressar os processos permanentemente, apesar das contraindicações “médicas” consultivas.


Acelerar a linha de produção da empresa é como colocá-la no cross fit. Force demais e produza uma parada cardíaca. Colocar um trabalhador sem a qualificação adequada fará com que o processo não produza adequadamente, isso gera um desarranjo, um mal-estar. Dissemine uma notícia desagradável e as dores chegarão à cabeça (diretoria) sintomaticamente.


Pois é, pessoas jurídicas também ficam doentes. E como nós, tentam se automedicar, procrastinam e eventualmente se prostram. Mas não vão ao médico, elas são mais exigentes, chamam o médico para dentro de casa.

Você se consulta com um médico. Pessoas jurídicas também se consultam. Não é à toa que seus médicos são chamados de consultores.



Como em todo tratamento, inicia-se com uma boa anamnese, aquelas perguntinhas básicas que todos fazem para conhecer o paciente, seja ele pessoa física ou jurídica. Eventualmente, é preciso fazer algum exame, ficar um tempo em observação, ou algo assim. Pode ser preciso que se colha sangue, urina, fezes... Faça as analogias que quiser...


Mas é fato que pessoas jurídicas também se consultam com médicos, os consultores, e eles precisam fazer um diagnóstico para prescrever algo que trate o problema. Vale lembrar que muitas das dores que a pessoa (física ou jurídica) sente não são o problema em si, mas apenas reflexos ou sintomas dele. Por isso é preciso um especialista. Não adianta tomar apenas remédio para dor de cabeça se a pessoa tem problema de estômago.


Apurar a percepção de saúde numa pessoa jurídica é como um processo de autoconhecimento na pessoa física. Sabemos que as pessoas físicas não são boas em autoconhecimento e precisam de ajuda para isso. Nem poderia ser, ou todos seriam médicos, psicólogos e outras formações típicas da área de saúde. É normal que precisemos de ajuda para nos conhecer.


Imagine as pessoas jurídicas! É ainda mais normal precisar de ajuda para melhor conhecê-las, mesmo estando dentro delas (aliás, estar dentro atrapalha mais do que ajuda, às vezes).


As pessoas físicas se alteram e somatizam suas interações, ou seja, transformam pressões sócio psíquicas em problemas orgânicos: dores, taquicardia, desarranjos intestinais etc. São as emoções, típicas destes seres chamados humanos. Isso ocorre porque as pessoas não se conhecem e perdem o controle do próprio organismo ao se submeterem (prostrarem) a essas pressões externas. O autoconhecimento é fortalecedor nesse sentido.


As pessoas jurídicas vivem doentes também por falta de autoconhecimento. Precisam com frequência de exames para mapear seus próprios processos, terapia para entender sua própria cultura, injeções de remédios para dores localizadas em um ou outro processo etc. Eu arriscaria dizer que são grandes candidatas a hipocondríacas. Similarmente, o autoconhecimento seria fortalecedor. Mas, assim como para as pessoas físicas é difícil enfrentar seus fantasmas psíquicos, também é para a pessoa jurídica reconhecer e enfrentar seus problemas análogos. Terapia é sempre um processo doloroso e moroso, mas fundamentalmente crítico.


Você já deve ter conhecido alguém que mesmo indo ao médico acaba desistindo do tratamento, ou, o que é potencialmente pior, tentam auto prescrever um tratamento com base no que conversaram com o médico. É mais comum do que possa imaginar. Nestas horas, os “tomadores de decisões”, sejam eles do mercado financeiro, da tecnologia ou da engenharia, viram grandes bioquímicos e chegam a definir o remédio que tomarão.


Mas há uma diferença essencial entre as pessoas físicas e as jurídicas: a vida. Pessoas físicas são organismos vivos e autônomos. Seu organismo combate os problemas independentemente da sua vontade. A vontade pode até influenciar a eficiência do processo, mas o organismo age autonomamente. Nas pessoas jurídicas não é bem assim.


A cultura organizacional e os processos culturalmente estabelecidos tendem a se defender, é natural. Reagem a influências externas, mesmo que elas sejam bem-intencionadas. É a pessoa jurídica atuando de forma orgânica. A inteligência natural do organismo das pessoas físicas não se repete nas pessoas jurídicas. Vale lembrar que o organismo da pessoa física foi criado pela força que impulsiona a própria natureza (a maioria provavelmente chamaria essa força de Deus). Já os organismos das pessoas jurídicas foram criados por seres falhos que todos concordamos em chamar de humanos.


O fato é que organismo de pessoas físicas são inteligentes, os de pessoas jurídicas são teimosos, reticentes, desconfiados e por aí vai. Se Deus colocou a perfeição que possui em sua criação, o homem colocou suas limitações nas próprias criações. Como se diz: cada uma dá o que tem.


Perceba que os médicos de pessoas físicas e jurídicas trabalham com métodos semelhantes, mas em sentidos diferentes.


Enquanto os médicos das pessoas físicas trabalham para devolver ao organismo a perfeição do seu funcionamento, retirando aquilo que produz falhas, os consultores trabalham para corrigir o funcionamento do organismo das pessoas jurídicas introduzindo elementos que eliminam as falhas que lhe são naturais.


Em ambos os casos é preciso um bom diagnóstico, que demanda conhecimentos especializados para ser certeiro. Mas continua valendo a realidade de que médicos e consultores não tomam os remédios que prescrevem para seus pacientes. A responsabilidade sobre a execução do tratamento é sempre da pessoa, física ou jurídica. Cabe a elas dar ouvido ao que escutam em suas consultas. Ir ao médico para não lhe dar ouvidos, ou procurar um consultor para não lhe dar ouvidos, é gastar dinheiro à toa.


A questão é que nas pessoas jurídicas, dinheiro é como o oxigênio para as pessoas físicas. Neste caso, não ouvir o consultor pode gerar morte por asfixia auto infligida.


Você costuma consultar seu médico e dar ouvidos a ele?


A organização onde você trabalha costuma medicar-se com consultores e dar ouvidos a eles? Tem sentido falta de ar ou algum outro mal-estar?

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