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Conhecimento e sabedoria

Atualizado: 17 de jan.

Recentemente, numa conversa instigante, daquelas que nos fazem perder a noção do tempo, com uma companhia agradável, me foi proposta a questão: qual a diferença entre conhecimento e sabedoria? Não me lembro bem como surgiu a questão, mas me lembro que em seguida acabamos enveredando por outro tema e deixamos a resposta no ar.


Pois bem, essa é uma reflexão que já fiz algumas vezes em grupos de discussão, mas que vale a pena registrar, tentando simplificar, sob pena de não abranger o espectro adequado de análise. Mas vale o esforço.


Há bastante conteúdo sobre isso na internet, pois o tema é de interesse geral. Mas, como tudo que há na internet, é preciso estar preparado para separar o joio do trigo. Vamos à nossa contribuição...


Gosto e recomendo sempre abordar estas questões conceituais pela etimologia das palavras. Em alguns poucos casos isso pode não ajudar, mas nesse caso especificamente é bastante esclarecedor. Recorro ao site Origem da Palavra, como sempre faço.


Para “conhecer”, temos:


“É o Latim COGNOSCERE, “saber, conhecer”, de COM-, “junto”, mais GNOSCERE, “saber”, do Grego GIGNOSKEIN, “saber”.


Se procurarmos pelo termo “conhecimento”, a explicação virá sutilmente diferente e mais interessante para nosso entendimento:


Do L. COGNOSCERE, “conhecer, saber”, formado por COM, “junto”, mais GNOSCERE, “obter conhecimento, chegar a saber”.


O termo gnosia nos ajudará, uma vez que compartilha a base etimológica de conhecimento:


Do Grego GNOSIS, “investigação, conhecimento”, de GIGNOSKEIN, “aprender, vir a saber”.


Já, para saber, temos:


L., SAPOR, “sabor”, relacionado ao verbo SAPERE, que tanto queria dizer “ter gosto, sentir gosto”, como “compreender, saber”.


A palavra grega sophia (ou sophis, sophos) é referência quase obrigatória para sabedoria e, de fato, está correto. Mas seu significado tende para a esperteza, habilidade etc. Não à toa, é também base para sofista e sofisticado. Com os desdobramentos que teve, não ajuda muito no entendimento, embora, etimologicamente, guarde a relação com sabedoria.



Repare que o conhecimento tem relação com gnosia que pressupõe um processo de investigação. O saber, por outro lado, está relacionado a uma experiência mais direta, mais sensorial; tanto é que sabor vem da mesma origem.


Essa é fundamentalmente a diferença entre conhecimento e sabedoria. O primeiro decorre de um processo de investigação, aprendizado. Já o segundo é consequência de uma experiência direta.


O segredo de entendimento está na compreensão do processo de construção do conhecimento. Já escrevi sobre isso num texto publicado no Livro III da Coletânea Gestão, Tecnologia e Gente, de 2020, disponível no meu site.


O conhecimento nasce, claro, das sensações que nos permitem certas percepções. Estas percepções, tomadas como constatações, através de processos de lógica dedutiva ou indutiva, nos conduzem a formulações que pretendemos retratarem as verdades do mundo. Admitimos, então, que estas formulações são conhecimento e, por retratarem o funcionamento da realidade, são relativamente permanentes.


Entendemos, em geral, que por demandar esse processo complexo de formulação, o conhecimento depende de formação acadêmica e o associamos, normalmente, a um certo tipo de intelectualismo.


Já a sabedoria, em princípio, é um tipo diferente de formulação que nasce de um processo de experimentação, observação e comparação. Sabe-se algo por se ter vivenciado alguma experiência. Há uma relação mais direta entre a sensação e a modelagem da realidade, formulação esta que prescinde de boa parte (senão a maior  parte) do processo de dedução ou indução.


Vale aqui a ressalva de que os processos de dedução e indução devem ser aqui considerados com o rigor da Epistemologia e da Lógica para que o entendimento seja mais acessível.


Como a sabedoria decorre da experiência, está comumente associada às pessoas mais vividas, por terem passado por mais experiências. Não é à toa que há diversas referências reais e na ficção aos conselhos de anciãos como fóruns de tomada de decisões difíceis.


Conhecimento e sabedoria têm em comum o fato de tentarem traduzir a realidade em formulações que se pretende abrangentes e permanentes. Algo como “se isso é assim, então aquilo é assado”. A relação entre isso e aquilo pode ter sido deduzida ou induzida por processos intelectuais e lógicos, mas pode ter sido constata pela repetição nas experiências vividas ou observadas.


Um fato interessante é que, na cultura ocidental, tendemos a valorizar mais o conhecimento, sobretudo o científico, ainda que este se sustente no empirismo, ou seja, na experiência. Isso equivale a dizer que o conhecimento científico, demanda um conjunto de pequenas formulações de sabedoria. Isso talvez seja um traço que carregamos dos nossos costumes ancestrais, quando não tínhamos tanta ciência para nos apoiar. As ciências teóricas parecem ter se desprendido disso um pouco.


É interessante também notar que reputamos o conhecimento como sabedoria, atribuindo a cientistas status de sábios. É simples constatar que não há uma correlação direta nisso. Mas, obviamente, isso não exclui a possibilidade de se ter conhecimento e sabedoria simultaneamente em doses consideráveis.


Mas, talvez, o mais importante seja perceber que a sabedoria se forma na complexidade da vida, pois deriva da própria experiência humana em suas relações com o mundo físico, social, espiritual. Não há condições de contorno previamente estabelecidas. Trata-se da vida na realidade nua e crua.


Já o conhecimento se forma gradativamente, tecendo uma colcha de retalhos que pretende abarcar, no limite, todas as possibilidades da realidade.


Todos temos alguma coisa de ambos, pois aprendemos de todas as formas.


Mas, lembramos também um texto publicado no e-book Coletânea de Textos 2010 – 2015, disponível no site, onde citamos o ditado oriental “O sábio sabe que ignora”. Aliás, esta era a grande sabedoria de Sócrates, segundo o oráculo de Delphos.


Para o conhecimento, já dizia Popper: “O conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é algo que desconhecemos hoje; e esse algo pode mudar as verdades de ontem”.


Por fim, nem o conhecimento, nem a sabedoria são plenos. Ambos são partes. Não é difícil perceber que conhecimento e sabedoria se complementam e podem até estabelecer uma relação sinérgica. Onde um falha, o outro salva. Como sempre temos um bocado de ambos, o verdadeiro problema é tentarmos criar consciência do quanto. Ou seja, a maior questão sobre o conhecimento e a sabedoria é a consciência humilde da ignorância.


Refletir sobre como conhecimento e sabedoria se apoiam na construção de uma visão de mundo é um tema interessante e mais complexo. Quem sabe noutro momento entremos por este caminho.

 

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