Engenharia de Projetos, uma expressão em transformação
- Renê Ruggeri
- há 6 dias
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Duas questões terminológicas surgiram nos últimos dias que me chamaram a atenção. Ambas estão relacionadas ao uso pouco rigoroso de termos que possuem significado específico. Por mais que possamos usar o chamado sentido figurado das palavras e expressões, assegurar o significado rigorosamente correto é papel dos educadores e formadores de opinião. Não fazer isso é uma das causas (não a única, obviamente) da involução da formação profissional que a sociedade (mais especificamente o mercado) têm alardeado.
Numa rápida pesquisa sobre uma teoria desenvolvida por Carl Jung, descobri que, embora ele a tenha publicado em 1920, cerca de quase 30 anos depois, numa das reedições do seu livro, incluiu um glossário para corrigir as distorções dos usos dos termos que o mercado e pesquisadores vinham fazendo. Repare que estamos falando de uma área de conhecimento relativamente nova. A Psicologia, naquela época, era uma ciência recente e, portanto, o rigor etimológico era (ou devia ser) uma preocupação crítica para que o entendimento fosse preciso.
Num segundo caso, a expressão Engenharia de Projetos, consagrada no meio técnico há décadas, foi utilizada com um significado que não lhe é usual. A expressão é largamente utilizada para referenciar um nicho de mercado ou um setor de ocupações profissionais que se dedica ao desenvolvimento dos Projetos de Engenharia, ou Projetos para Construções (para ser mais geral e incluir a Arquitetura, que originalmente não era isolada da Engenharia). É preciso ter um entendimento bastante claro do que é objeto de trabalho nesta área, para não confundir com outras.
No caso que comento, o termo foi usado para referenciar o desenvolvimento de cronogramas e programações de obra. Mas essa atividade, a rigor, não é especificamente da engenharia como área de conhecimento. Logo, por mais que possa ser aplicada sobre um conteúdo de engenharia por aqueles que dominam estes conteúdos, em si não é da seara da Engenharia. Mas a confusão é explicável.
No bom desenvolvimento de projetos de engenharia, não se pode projetar soluções que não podem ser construídas, obviamente. Isso não seria uma solução aceitável. Logo, é parte do trabalho conceber a chamada Metodologia de Execução, uma espécie de “receita de bolo” sobre como aquela obra deve ser executada pelo aspecto técnico. Esta Metodologia de Execução está na interface com a Gestão de Projetos, pois interagindo com ela a transformamos em EAPs, Cronogramas e outros artefatos gerenciais. Aqui parece surgir a questão que já venho tratando há alguns anos, o uso do termo projeto com significados diferentes, ora pra referenciar o produto do desenvolvimento das soluções (o chamado Projeto de Engenharia), ora para designar o processo de implantação de um empreendimento (aqui, com o sentido usado no Gerenciamento de Projetos). Isso mesmo, o termo é usado para designar um produto e um processo, coisas que têm naturezas diferentes. A confusão vai além de uma mera convenção terminológica.
No âmbito da gestão, não faz sentido falar de Engenharia de Projetos num empreendimento educacional, social, financeiro etc,. mas todos eles possuem EAPs, cronogramas, programações de tarefas etc., afinal, todos precisam de gestão e são projetos (com o significado utilizado na gestão). Aliás, projetos são eventualmente definidos, na gestão, como organizações temporárias estruturadas para entregar um resultado. Não é à toa que essa definição é praticamente a de empreendimento. As diferenças são sutis, mas conforme o contexto, importantes.
Coincidentemente ou não, a terminologia em Gestão de Projetos começou a se firmar no Brasil por volta da virada do século XX para o XXI, pois a tradução oficial do PMBoK (a conhecida “bíblia do Gerenciamento de Projetos”) iniciou nesta época, ou seja, cerca de 25 a 30 anos antes do surgimento desta confusão terminológica.
Se interpretarmos o termo projeto no sentido mais amplo adotado na gestão e entendermos a engenharia como a criação engenhosa de soluções para construção de produtos concretos, a exrpessão Engenharia de Projetos poderia incluir os trabalhos de gestão, sobretudo na interface com a Metodologia Construtiva. Aliás, os artefatos da gestão detalham de forma progressivamente mais prática a tal Metodologia concebida pela engenharia.
Mas repare que a proposta acima depende de convencionar entendimentos mais precisos para os termos Projeto e Engenharia. Ambos são bastante amplos e, por isso, usados com um significado, digamos, volátil.
Se a expressão Engenharia de Projetos significa todo o conteúdo relacionado à implantação de empreendimentos, seja ele específico da criação de soluções técnicas de engenharia ou a tradução da metodologia construtiva concebida em planos mais detalhados para concretização das tais soluções, precisamos estabelecer expressões especificas para estas subáreas da Engenharia de Projetos. Isso é necessário porque são nichos de mercado diferentes e complementares.
Aqui se instala uma nova confusão: a parte relativa a cronogramas, EAPs, programações de tarefas etc. está coberta pela Gestão de Projetos e há, portanto, uma expressão já consagrada para designá-la. Independente dos tais artefatos serem de nível estratégico, tático ou operacional, todos estão no arcabouço do Gerenciamento de Projetos.
O desenvolvimento das soluções técnicas de engenharia está em outra área, complementar, mas essencialmente diferente. Esta área é tradicionalmente referida como Engenharia de Projetos (pelo menos no setor da construção civil), mas essa terminologia precisa ser revista para designar o conteúdo mais amplo. Na indústria branca, é comum referenciá-la como Engenharia do Produto, separando-a explicitamente da Engenharia do Processo. Essa última, responsável pela resolução do processo produtivo (ou da metodologia de execução, no caso da construção), mais próxima da interface com a Gestão do Projeto (não que a outra esteja distante).
Assim, para compreender na expressão Engenharia de Projetos todo o conteúdo relacionado à implantação de empreendimentos, englobando as questões mais técnicas e também as gerenciais, precisamos:
Consagrar o uso do termo projeto unicamente com o significado adotado no Gerenciamento de Projetos (o que parece não ser difícil com a disseminação desta área de conhecimento nas últimas décadas);
Emplacar no domínio público (entenda-se no setor de empreendimentos em construção) uma expressão que possa designar o nicho de atividade técnicas específica de engenharia para desenvolver soluções para o que será construído; por exemplo a expressão Engenharia do Produto usada a indústria branca (este sim, aparentemente um desafio maior).
Ambas as demandas precisam ser trabalhadas em conjunto, pois se a mesma expressão (Engenharia de Projetos) for utilizado com duas interpretações essencialmente diferentes, o problema da confusão terminológica não será resolvido, mas talvez agravado.
Particularmente, como estudioso do Processo de Desenvolvimento do Projeto do Produto, especificamente no ramo da construção, a expressão Engenharia do Produto me parece até mais precisa, mas pouco usual no setor da construção. Adotá-la não causaria confusão exatamente por sua precisão no significado.
Mas o uso da expressão Engenharia de Projetos com um significado além do já consagrado exige maior cuidado para que seja efetivamente útil.
O alerta, que todo gestor deve conhecer, é que quando alguma expressão ou termo pode significar coisas demais, é mais fácil assumir papel de ruido (a exemplo da expressão aqui abordada) do que de informação útil numa mensagem. Quando isso é subliminar, porque raramente se está discutindo a terminologia, mas apenas aplicando-a, a confusão ocorre na raiz da formação das novas gerações profissionais porque eles perdem a capacidade de se comunicarem com precisão nos conceitos.
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