Generalistas e Especialistas
- Renê Ruggeri
- 12 de fev.
- 4 min de leitura
Estes dias, em algum debate numa rede social, surgiu o tema do generalista e o especialista. Essa conversa é antiga e possui algumas aplicações como a carreira em Y, na qual, em um certo momento, o profissional deve escolher seu caminho de progressão numa empresa pela via técnica ou pela via gerencial. Aliás, é comum a ideia, sempre discutível, de que gestores são necessariamente generalistas e profissionais de áreas técnicas são especialistas.
São antagônicos?
Muitas abordagens colocam como mutuamente excludentes essas características. Ou seja, você é generalista, ou é especialista; nunca ambos. Mas, minha opinião é de que há um equívoco fundamental nessa ideia de oposição.
Diz-se que o generalista é alguém que cultivou um conjunto de experiências e práticas variadas e, por isso, tem um entendimento marcado pela amplidão ou extensão da bagagem. Já o especialista é aquele que se dedicou a uma prática específica com muito mais frequência ou empenho que outras. E há sentido nestas definições. A questão é que me parece que as pessoas médias não são nem um extremo, nem outro.
É claro que há casos notáveis que são exemplos usados para moldar as teorias, mas é exatamente por serem prodígios que não servem de base, mas de cases extremos para explicar hipóteses.
Ou são dois lados da mesma moeda?
Em condições normais, qualquer pessoa tem experiências diversificadas ao longo da vida, nas diversas áreas do seu desenvolvimento. Nem por isso, cada pessoa deixa de apresentar mais aptidão para um lado ou para outro. Aliás, pode ser que tenda à especialidade em alguma área e à generalidade em outras.
É comum, inclusive, que uma pessoa, mesmo com aptidões para um lado, acabe forçando uma característica para o outro, em função das circunstâncias da vida. Com um pouco de atenção, não é difícil reparar quando se vê um especialista dando uma de generalistas e vice-versa.
Como essas características são muito demandadas na vida profissional, é nesta área que as análises costumam ser feitas. Há aí, logo de cara, uma questão controversa, pois as profissões são formas explícitas de especialização. Por mais que algumas possam aparentar algum grau de generalismo, elas excluem mais áreas de conhecimento do que incluem. No máximo, seriam menos especializadas.

Qual sua natureza predominante?
Acredito que a característica do generalismo ou da especialização são traços de personalidade que desenvolvemos em nossa formação. Assim, quem tem um desenvolvimento tendendo ao generalismo, mesmo que tente se especializar, dificilmente não irá manifestar sua natureza. O mesmo ocorre com o especialista que tente ser generalista, por mais que amplie o campo de informações que acessa.
O generalismo é caracterizado por uma necessidade de olhar amplo sobre as coisas. Um generalista procura contextos, cenários, abordagens abrangentes, perspectivas diferentes etc. Prefere expandir a análise sobre as questões e problemas que se apresentam. Isso, obviamente não exclui a capacidade de aprofundar em algum tópico e até de produzir boas coisas nesse aprofundamento, exatamente por partir de um quadro mais repleto de elementos.
O especialista, por seu turno, tende a querer o aprofundamento nas questões propostas. Gosta de entender os fenômenos pelo aspecto micro, seus mecanismos detalhados de operação.
O especialista corre o risco de não perceber elementos adjacentes a um problema, por priorizar o mergulho nele. O generalista, ao buscar todos esses elementos do contexto mais amplo, tende a não perceber o que há de mais profundo em qualquer um deles.
Generalismo e especialidade não são abordagens antagônicas, mas complementares, cuja junção pode criar situações que acabam motivando mais amplitude para um e mais profundidade para o outro. Em ambos os casos, parecem ser preferências naturais das pessoas conforme as características que consolidaram no seu desenvolvimento, sua personalidade.
Ambos no desenvolvimento da história
Passamos por um século de grande expansão científica, o século XX. O trabalho com ciências é notoriamente especializado. Após 100 anos de caminhada estruturante nesta direção, é natural que questões que exijam abordagens mais amplas para a sociedade tenham perdido terreno. Mas, como questões que afetam a vida das pessoas, surgem inevitavelmente, entramos no século XXI com a demanda de abordá-las.
Frente a questões existenciais que exigem generalismo, é natural que ele comece a ser valorizado, como foi a especialidade no século anterior.
Mas, cuidado! A sociedade vive uma superficialidade marcada pela amplitude de informações rasas, apesar da infinidade de “especialistas” que surgem a todo momento nas redes sociais. Se há esta amplitude, qual a razão do generalismo ser atualmente tão demandado, pois é como se estivesse à mão de qualquer pessoa.
Na prática, onde está a diferença?
Tanto o generalismo quanto a especialidade não se caracterizam pelas informações que acessam, mas pelo entendimento que constroem a partir delas. Mesmo o generalista precisa aprofundar mais que uma poça d’água, pois as informações precisam preencher um entendimento satisfatórios do grande contexto. A superficialidade extrema não é capaz do grande contexto. E, por vezes, para chegar a isso, um generalista aprofunda até bastante num ou noutro ponto mais crucial.
O especialista, similarmente, para compreender em detalhe alguma questão, por vezes precisa mergulhar em outras águas, fazendo um movimento típico de um generalista.
A questão é que o movimento de ambos é motivado de forma diferente. Parece paradoxal, mas a profundidade pode ser motivada por uma necessidade de compreensão generalista e a amplitude pode ser motivada por uma necessidade de entendimento detalhado.
Pra variar, o tempo!
Por fim, um aspecto que julgo importante é que para construir tanto a profundidade de entendimentos, quanto a amplitude deles, é preciso tempo. O ponto é simples: o volume de conteúdos que permitem construir compreensões que possam ser classificadas como generalistas ou especialistas exige tempo para ser dominado.
Uma pessoa pode ter as características de especialistas ou generalista, mas não ter ainda o conteúdo que o credencie para um desempenho profissional baseado nestas características. Lembrando que não se trata apenas de ter o conteúdo, mas de criar uma compreensão das questões que se analisa a partir dele.
Neste aspecto, a diferença entre o especialista e o generalista com capacidade de fazer desta característica um pilar de sua profissão está no fato de ter consciência do conteúdo que lhe falta. Em geral, qualquer um dos dois, quanto mais de aproximar da plenitude da compreensão, tem uma demanda crescente pelo outro, exatamente por perceber no outro o preenchimento das lacunas de que tem consciência. Essa percepção de complementaridade só é possível se especialistas tiverem alguma amplitude de conteúdo e se generalistas tiverem alguma profundidade. Ou seja, se todos formos ambos, mas em gradações naturalmente diferentes.
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