A questão do título parece de resposta óbvia, mas merece uma boa reflexão. A resposta imediata é outra pergunta: você está com tempo? Digo isso, porque a explicação não é simples e depende de resgatar alguns conceitos fundamentais. Mas tentarei ser objetivo, apesar de correr o risco de ser pouco profundo na tratativa do tema.
Comecemos entendendo que um processo é um conjunto de atividades que transforma um conjunto de entradas num outro conjunto de saídas. No caso do Processo de Desenvolvimento do Projeto de Arquitetura, Engenharia e Construção (Projeto AEC), as entradas são informações sobre um problema cuja solução depende da criação de um produto e as saídas são informações sobre o que deve ser este produto e como ele deve ser construído.
É claro que as transformações no processo são baseadas nos conhecimentos que permitem estabelecer relações entre as informações de entrada e as de saída. São conhecimentos de Arquitetura, Engenharia, Construção e, inclusive, das atividades que serão desempenhadas durante o uso do produto criado, ou seja, aquelas relacionadas à operação que terá lugar no edifício. Raciocínio análogo seria possível para outros tipos de empreendimentos, como infraestrutura e instalações industriais.
Veja que, na essência, o BIM parece não ter mudado o PDP, pois continuamos coletando informações dos problemas e transformando-as em outras informações sobre o produto que soluciona o problema inicial.
Mas não dá pra dizer que tudo está do mesmo jeito. É óbvio que não está! Alguma coisa mudou. Mas, exatamente o quê?
Usemos um exemplo rudimentar para introduzir o próximo fundamento: você já tentou fixar duas peças de madeira com algo que não fosse um prego e um martelo? Muita gente já, e, acredite, conseguiu. Mas é claro que o prego e martelo adequados proporcionam mais eficiência, mesmo que uma boa cola permita eficácia nesta tarefa.
Quero dizer com esse exemplo que podemos executar atividades com técnicas diferentes que nos conduzem a resultados com certo grau de eficiência e eficácia. Para dominar tais técnicas é preciso ter alguma habilidade. Boa técnica sem habilidade pode não dar bom resultado. Mas, claro, a técnica mais adequada com a habilidade para usá-la nos garante um resultado efetivo.
Projetos de Arquitetura e Engenharia já foram feitos à mão livre, com auxílio de instrumentos de desenho, com apoio de computador (CAD) e estamos agora experimentando o BIM (Vamos chegar nele, aguente mais um pouco). Muitas técnicas já foram usadas e criou-se outras tantas, já que as técnicas dependem de ferramentas e de habilidade para usá-las.
Não confunda técnica com tecnologia. A técnica de bater um prego com um instrumento pesado de superfície plana já se serviu de várias ferramentas tecnológicas (um bom toco de madeira bem dura pode ser suficiente). O desenvolvimento tecnológico já providenciou muitos recursos para otimizar a aplicação de técnicas tradicionais.
Algumas tecnologias, entretanto, impuseram uma mudança de técnica na execução de algumas tarefas. Há algum tempo, ilustrar um texto exigir dotes para o desenho artístico, hoje em dia a inteligência artificial pode fazer isso. Se antes a ilustração exigia técnicas de desenho (técnico ou artístico), hoje pode exigir técnicas de escrita (a chamada engenharia de prompt). Mas atingir o estado da arte ainda exige uma integração excepcional entre a técnica, a tecnologia e a habilidade.
Você certamente já reparou que o BIM nos trouxe muitas novas ferramentas tecnológicas (recursos) que nos exigem técnicas diferentes para transformar nossa matéria prima (informações) em nosso produto (informações). Ou seja, mesmo sendo ainda um processo de transformações de informações, as novas técnicas usadas nos exigem novas habilidades. Mas os fundamentos da transformação continuam os mesmos, se valendo atualmente dessas novas técnicas.
Diríamos, até aqui, que o PDP é o mesmo, embora use técnicas e tecnologias bem diferentes das outrora utilizadas. Mas vamos em frente...
Se o PDP é um processo que resolve problemas compelxos, pois transforma as informações sobre eles em informações sobre a solução, certamente faz isso de alguma forma bem estruturada. A estruturação é tão complexa quando exige o problema e sua solução. De fato, há um método apropriado para fazer isso.
Não confunda método com técnica. Um professor domina os métodos, os artistas (ou artífices) dominam as técnicas, pois desenvolvem as habilidades para desempenhá-las. E podem fazê-lo com recursos tecnológicos diferentes. Nem todo pintor usa os mesmos tipos de pinceis.
Inclusive, é o método que garante a possibilidade de trabalho conjunto ou complementar. Não fosse ele, o método, o trabalho de um atrapalharia o do outro. Os trabalhos se integram porque adotam os mesmos métodos. Nem mesmo as técnicas ou tecnologias podem garantir a possibilidade de integração dos resultados, se os métodos não forem da mesma linhagem. O uso das mesmas técnicas e tecnologias facilita a agregação, mas o que a garante são os métodos. Há uma lógica (a base do método) no encaminhamento das ações e essa lógica garante o bom direcionamento das soluções.
O método fundamental do PDP é o método de análise e solução de problemas. Ele é simples, em teoria:
1- compreender o problema com base nas informações,
2- conceber soluções com base no conhecimento técnico da área (Arquitetura e Engenharia no presente caso),
3- comunicar as soluções concebidas estruturando-as em informações inteligíveis.
Em cada um destes três passos (o termo mais adequado aqui seria fases) há uma infinidade de tarefas e resultados intermediários a serem produzidos (“não existem métodos fáceis de resolver problemas difíceis”, já dizia Descartes). Cada uma destas tarefas pode ser desempenhada com uso de técnicas diferentes, mas lembremos que as que forem selecionadas devem ser da mesma linhagem para permitir fácil integração.
Assim caímos no conceito de metodologia, termo muito associado ao uso do BIM.
Metodologia, a rigor, seria apenas o estudo dos métodos, assim como ocorre a formação de palavras como biologia e mitologia. Mas nossa língua acabou associando ao termo o sentido de um detalhamento ou dissecamento do método,. Algo como estudar os métodos dividindo-os e destacando neles partes menores, de tal modo que se tenha ao final uma espécie de bula sobre como aplicá-los. Ou seja, metodologia é usado para designar uma “receita de bolo”. Um conjunto de ações, atividades ou tarefas que produzam gradativamente, se executadas conforme orientado, um resultado específico. E as metodologias especificam técnicas e recursos tecnológicos a serem usados, pois tendem a detalhar a execução das atividades.
Assim, mais que um mero estudo dos métodos, a metodologia define um processo de trabalho e, assim, voltamos ao conceito de processo, mas agora abordado nos seus detalhes operacionais e não somente por suas entradas, transformações e saídas.
Mas repare que é possível estabelecer, para um mesmo método, várias metodologias, variando técnicas e tecnologias. Mais que isso, é possível estabelecer metodologias mais apropriadas para aplicar os mesmos métodos em situações diferentes, para problemas diferentes.
O levantamento das informações iniciais que caracterizam o problema a ser resolvido no PDP pode ser feito com várias técnicas, cada uma mais adequada ao tipo de levantamento a ser feito e ao contexto que condiciona a atividade. Não se justifica, por exemplo, mobilizar equipes e equipamentos complexos de topografia para medir um terreno de 250 m2, plano e retangular. Técnicas mais rudimentares são plenamente satisfatórias nesse caso, eficientes o suficiente e eficazes para gerar o resultado necessário. Aliás, é arriscado um levantamento por drone ser menos efetivo nesta condição. por mais moderna que seja essa técnica. Mude o terreno e a técnica mais apropriada pode mudar, é preciso revisar a metodologia de trabalho.
Imagine a variedade de situações e de recursos existentes e a adequabilidade das técnicas para cada caso. Talvez seja possível estabelecer um conjunto de técnicas e um sequenciamento de ações que se adeque bem à boa parte dos casos, mas fatalmente isso não cobrirá todas as possibilidades. É claro, também, que sempre é possível usar para alguma atividade uma técnica menos adequada, apenas porque se tem os recursos tecnológicos relativos a ela em mãos (e não para outras técnicas).
Por isso, estabelecer uma metodologia única específica para desenvolver projetos de Arquitetura e Engenharia me parece um sofisma. Há, na realidade, uma infinidade de metodologias possíveis e cada uma mais adequada a casos e condições peculiares. Mas isso não significa que não se deva ter uma metodologia referencial que defina algumas técnicas e tecnologias gerais. Lembremos da necessidade de integração e agregação dos resultados. O segredo é estruturar as metodologias, equalizando técnicas e ferramentas segundo o método mais adequado para o PDP.
Agora, respondendo ao título, o BIM não mudou quase nada o PDP, mas mudou muita coisa nas técnicas e tecnologias usadas no processo. Talvez por isso se fale tanto em metodologia BIM, porque ele tornou necessário redefinir uma série de técnicas e ferramentas que vinham sendo usadas. Mas não nos enganemos, não há uma metodologia BIM, mas diversas possíveis e nem todas adequadamente aplicáveis a qualquer caso. Os BIM Mandates, BIM Protocols, BEPs, etc. são evidências de que o BIM exige metodologias bem engendradas para cada empreendimento em particular. Isso, no fundo, significa que a atividade exige planejamento.
Tomemos consciência, quem garante o resultado é o método, a metodologia equilibra técnica e recursos tecnológicos. Se uma metodologia subverte o PDP, o resultado pode ser um lindo, bem compatibilizado e plenamente informacional equívoco, mesmo que requintada e persuasivamente apresentado. Não se deve dar atenção à metodologia em detrimento do foco na resolução efetiva do problema (que se baseia no método). E efetivo é aquilo que é eficiente e eficaz, simultaneamente. Procure no Google pelo conjunto de palavras “Cortela pasta de dente” e entenda por que não podemos fazer do BIM um braço mecânico.
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