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Os pilares são do BIM ou do PDP?

Meus sobrinhos ganharam há algum tempo um novo modelo de videogame. Um deles ganhou um tablet novo que já veio com aplicativos de inteligência artificial. Me lembro quando comprei um carro que eu realmente queria e não apenas porque precisava de um veículo.


Em todas essas ocasiões, o objeto de desejo vira o centro das atenções por um tempo. É uma febre e é muito bom curtir a conquista de algo que se deseja.


Meus sobrinhos passaram a jogar mais e chamar os amigos para jogar. O que ganhou o tablet resolveu editar uns vídeos. Eu passei a passear mais apenas para apreciar o carro. Mas o engraçado, é que era possível jogar mais, editar vídeos e passear mais, mesmo antes do videogame, do tablet e do carro. As conquistas estimularam, mas não foram elas que realmente possibilitaram os novos e bons hábitos.


Acredito que com o BIM tenha ocorrido mais ou menos o mesmo. Quando o BIM chegou ao mercado, virou a bola da vez. Tudo parecia renovado em função do BIM. Voltamos a discutir o processo de trabalho à luz do BIM, a tecnologia voltou a ser tópico central nos debates sobre projetos de Arquitetura e Engenharia e passamos a refletir sobre o papel das pessoas neste sistema produtivo. O BIM foi um estopim que reacendeu o fogo do ambiente de desenvolvimento dos projetos na construção civil.



Mas veja que, antes do BIM, era possível discutir os processos de trabalho com todos os tópicos pertinentes. A tecnologia sempre esteve em desenvolvimento, mas tinha perdido o brilho aparentemente. E as pessoas, bem, essas continuam as mesmas de sempre.


O BIM foi como um copo de álcool lançado no fogo no final do churrasco: uma pequena explosão sobre algo que esteve aceso, mas andava meio esquecido.


Não há como negar os avanços trazidos pelo BIM ao Processo de Desenvolvimento do Projeto, mas pensar que este processo existe antes e depois do BIM é um exagero. Temos um novo contexto, um novo cenário, mas temos a mesma arquitetura e a mesma engenharia. O BIM é uma renovação instrumental, não essencial, como são também o novo videogame, o novo tablet, ou o novo veículo (mesmo que venham cheios de funcionalidades novas).


Muito do que nos aventuramos a fazer com o BIM hoje poderia ter sido feito antes, com o CAD (às vezes até na prancheta). Meus sobrinhos podiam chamar os amigos para jogar com o aparelho anterior, mas só chamaram com o novo. O outro poderia editar vídeos quando quisesse, mas só o fez agora. E, vamos e convenhamos, eu não passeava antes por pura opção, não foi a mudança de carro que permitiu isso.


É claro que talvez as condições atuais sejam mais propícias, mas não foram elas que geraram as oportunidades, apenas as destacaram. Nós é que resolvemos aproveitá-las apenas agora, por comodidade, por pressão externa, pela luz lançada com os novos “brinquedos”, ou por não termos sido capazes de vê-las antes. Acredito bem nesta última alternativa.


Falamos de colaboração com o compartilhamento de informações, mas recursos para isso, com as devidas proporções, surgiram bem antes do BIM e sempre estiveram ao alcance de qualquer um.


Falamos de modelos BIM referenciados entre si (federados), mas a possibilidade das referências cruzadas existe há décadas em ambiente CAD. O BIM potencializou esta integração, mas ela já era praticável antes, guardadas as proporções. Se era tão boa, necessária e estava disponível, por que não era usada?


Falamos hoje dos usos do BIM, pensando na integração de informações, mas esses usos sempre foram demandados e raramente tentamos sistematizá-los. Orçamentos e cronogramas sempre estiveram ali, não há sentido em achar que apenas agora são integráveis ao restante. Talvez exigisse mais esforço, mas estavam disponíveis.


Tratamos o BIM como algo essencialmente novo, mas na realidade ele é instrumentalmente novo. Na essência, ele apenas viabiliza com maior ou menor dificuldade, processos que almejávamos há tempos. Viva o BIM! Ele veio se agregar ao Processo de Desenvolvimento do Projeto, inaugurando as oportunidades de um novo paradigma instrumental. Aos poucos vamos descobrindo que o BIM não mudou o Processo do Projeto, apenas o instrumentalizou mais eficientemente e, por isso, pudemos voltar a discuti-lo em busca de mais eficácia. Ser efetivo exige ambos.


Dizemos que o BIM está baseado em Pessoas, Processos e Tecnologia. Pergunto: o trabalho em CAD estava baseado em que?



Há, sem dúvida, uma mudança substancial na forma de lidar com as informações. Antes elas dependiam de ações humanas para serem consideradas a qualquer momento. Com o BIM, uma vez carregadas, seu tratamento pode ser automatizado, mas exige sempre ação humana prévia, não acontece como mágica. Isso é uma transformação importante no Processo de Desenvolvimento do Projeto.


Tínhamos um processo em que as informações eram representadas segundo uma técnica e dependiam de nossa ação para serem consideradas. Agora as informações estão representadas em algo mais automatizável, uma estrutura informacional. Sua consideração depende apenas que sejam carregadas ao modelo e tudo se automatiza (em tese).


O Projeto AEC, uma espécie de representação do produto da construção civil, era apresentado em documentos gráficos e textuais. Hoje em dia, até poderiam ficar restrito à sua representação em um modelo informacional. Mas, o mercado, demostrando sua dificuldade de transição cultural, ainda transforma modelos informacionais em documentos gráficos e textuais.


Aliás, fala-se que o BIM demanda mudança cultural. Ora, essa mudança cultural não é no BIM, mas no Processo de Desenvolvimento do Projeto. As pessoas não estão no BIM, pelo contrário, elas estão no PDP em plena transição de paradigma instrumental. O BIM também está lá, junto com elas. Ainda estamos atrelados à nossa necessidade visual, favorecida pelo 3D, mas o BIM abstraiu esse tipo de representação, tudo agora tem potencial para ser linguagem de máquina.


Enfim, o BIM está aí, mas os pilares que dizemos serem do BIM - pessoas, processos e tecnologia – são do PDP, como sempre foram. Mas o BIM lançou novamente luz sobre eles, ofuscando-os no início, mas aos poucos a visão vai se acostumando. Talvez agora, esquecendo o videogame, o tablet e o carro, possamos pensar no que realmente importa: os amigos de jogo (pessoas), os conteúdos audiovisuais (representações) e o prazer de fazer Arquitetura e Engenharia no PDP (o processo).

 
 
 

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