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O problema é gente?

Foto do escritor: Renê RuggeriRenê Ruggeri

A história do homem, contabilizada a partir do surgimento da escrita, conta já com mais de 5.000 anos. As chamadas civilizações ocidentais, fundadas sobre o modo de pensar grego antigo, são mais recentes, cerca de 2.500 anos.


Durante todo esse tempo, o ser humano criou instituições e realizou feitos inacreditáveis. Já na Grécia Antiga surgiu a democracia dando voz a cada indivíduo, uma instituição cultivada até os dias de hoje e que rompeu os séculos enfrentando ataques e saboreando vitórias. A democracia se transformou várias vezes nesses poucos milênios de existência, mas persiste como instituição humana fundamental, embora muitas vezes mal compreendida pelos próprios indivíduos.


Nesta história, contamos hoje aproximadamente 200 gerações de seres humanos. Considerando que, em média, a cada 25 anos passa-se uma geração, hoje em dia experienciamos convivência com, pelo menos, 3 gerações. Alguns já têm o prazer de conviver com 4 gerações. Mas essa experiência geracional é recente. Até o século XIX, vivíamos o suficiente para conhecer não mais que nossos filhos (a expectativa de vida era de 45 anos, na melhor das hipóteses). Estamos ainda aprendendo a lidar com esta nova situação.


Sócrates morreu, após um julgamento público e democrático, acusado de desencaminhar a juventude com seus pensamentos. Realidade ou ficção inspirada em fatos, Páris raptou Helena e por 10 anos Troia foi sitiada até ruir, com um atraso de cronograma homérico (o adjetivo foi providencial). Lutero iniciou um movimento de reforma, com reflexos políticos, sociais e culturais, criticando e denunciando ideias e práticas do clero dominante. O Iluminismo cresceu centrado na ideia de liberdade do indivíduo, provocando profundas mudanças políticas e sociais. Grupos de pensadores europeus, já no século XX, elevaram o conhecimento científico bem acima da especulação de ideias abstratas fundamentais da filosofia, inaugurando um período quase utilitarista do pensamento humano com profundos reflexos na sociedade.


Foi Sócrates ou foram os que o julgaram? Foi Páris, Helena ou os reis gregos? Foi Lutero ou foi o clero? Foi Descartes, Spinoza, Kant, Adam Smith, Marx, Locke, Hume? Foi Einstein, Curie, Heisenberg, Turing, Russel, Freud, Jung? Gente é o problema ou a solução?


Sempre foi gente quem gerou os problemas e sempre foi gente quem os resolveu, cada um à sua maneira.



Se formos para o campo da política, que normalmente é momentânea e menos expressiva, em termos de influência histórica, do que as ideias dos grandes pensadores, a constatação não mudará. É gente!


Migremos para o campo da economia e sociologia e até mesmo a formulação das questões fundamentais será feita com base em gente.


Passemos agora para o âmbito das organizações sociais e econômicas, que chamamos atualmente de empresas, e constatar que os problemas e soluções são uma questão de gente é uma obviedade.


Todos os grandes problemas e soluções da história humana foram criados por gente e resolvidos por gente. Quem resolve um problema aqui, pode ser o grande criador de outro ali. Aliás, a solução dada por alguém hoje pode ser o grande problema de amanhã. Se for uma questão fundamental, a ideia de hoje é o estopim para a criação de soluções que podem ser o cerne do problema de amanhã e uma nova ideia virá a ser um novo estopim para uma nova solução e um novo problema.


A única coisa que se manteve nesses 5.000 anos de história registrada é que gente sempre esteve no início e no destino dos problemas e das soluções. Logo, afirmar que “o problema é gente” não agrega nada para ninguém.


A questão é entender, por que as pessoas são como são e qual é esse ciclo de problematização e solução? Compreender esse processo é identificar a gênese dos problemas e das soluções, que, aliás, parecem ter a mesma fonte, ou serem dois lados de um mesmo ciclo. Interromper esse ciclo é interromper a própria história humana.


Os ciclos são uma alternância de altos e baixos, avanços e retrocessos. Há o que chamamos de passo, o período entre dois altos, ou dois baixos. Há ciclos com passos curtos e são um frenesi de pequenas oscilações. Há outros com passos longos, ou muito longos. Nossa própria vida tem ciclo e é, na prática, um ciclo com uma única oscilação, cheia de pequenos subciclos.


Se você vive mais que o ciclo de uma temática qualquer, você experimenta a amplitude dela. Se uma determinada questão tem um ciclo maior que sua vida, você pode nem perceber, se não for atento e informado, que há um ciclo naquilo. Quem nasce às 7h da manhã e morre as 18 h do mesmo dia, não sabe que dias e noites se alternam.


Mas quem tem consciência de um ciclo age, pois sabe que só assim transforma o mundo e define sua história. Se não agir, viverá a história traçada pela ação de outros. Sócrates quis entender, Páris quis definir sua história, Lutero quis romper um ciclo, pensadores quiseram explicar. Viveram nos condicionantes deixando por quem veio antes e estabeleceram as condições para nós que viemos depois. Alguns agiram em temáticas com ciclos de milênios, outros, nas seculares. Houve aqueles que influenciaram ciclos menores que uma vida e assistiram à transformação causada na vida das pessoas. Mas todos agiram conforme suas ideias, isso é coisa de gente.


Einstein, não sozinho claro, resolveu um problema de longo ciclo, pois reformulou leis fundamentais da natureza abrangendo um universo bem maior. Ao mesmo tempo, criou um problema com o qual lutamos até hoje, pois, apesar de sua crença no determinismo, escancarou as portas para a incerteza naquilo que tínhamos de mais certo, o determinismo da natureza. A percepção da incerteza tem ficado clara em muitos outros setores e se difundiu no mundo. Muita gente se debruça sobre esse problema na tentativa de achar soluções para lidar com ele.


Baumann, ao avaliar a incerteza e as transformações na vida atual, com pelo menos 3 gerações coexistindo, percebeu a insegurança, a superficialidade e, como consequências, uma crise identitária. O medo que a sociedade e as pessoas sentem da IA é por conhecê-la ou por não conhecerem a si mesmas? É medo de que ela domine ou de que nós percamos o domínio (insegurança, incerteza, superficialidade)?


Nas nossas organizações, desenvolvemos tentativas de soluções para os problemas com métodos, procedimentos, ferramentas, artefatos, tecnologias etc. Frente a diversas situações, com frustração maior ou menor na resolução dos problemas, chegamos em geral à constatação de que “o problema é gente”. Mas insistimos em tentar novas soluções, pelos mesmos caminhos. Avanços incrementais que culminam no mesmo problema: gente!


Ora, gente chega às organizações já formada. O que promovemos de mudança cultural nas organizações é uma pequena parte do que as pessoas são. Acreditar em transformações culturais individuais e essenciais promovidas pelas organizações chega a ser ingênuo. Gente é origem de problemas e soluções há 5.000 anos e é incerto que um guru da administração vá mudar isso.


Esses mesmos gurus são os primeiros a anunciar que a sociedade vive uma transformação sem precedentes, mas insistem em buscar soluções num universo muito menor que a sociedade. Por outro lado, afirmam que o mercado é o grande promotor das transformações na sociedade, enquanto repetem que o problema é gente.


Ok, já concordamos que o problema das empresas é gente! Mas, se este é o problema, por que insistimos em tentar resolvê-lo por algo que nada tem a ver com a origem do problema? Se o problema é gente, os gurus da administração precisam entender o que é a “gente” que temos hoje e como transformar na “gente” que precisamos. Isso não é um problema essencialmente empresarial. Na realidade, o problema das empresas é reflexo de outro mais fundamental e com um ciclo maior que a própria empresa, por isso ela não é capaz de resolver e não será nunca, se mantiver um olhar estreito focado no que se faz e não no que se é.


Mas a empresa é feita por gente e produz para gente. Expandir o foco de preocupação da empresa e assumir a resolução do problema que já constatou existir é uma decisão. Esta decisão precisa ser tomada por gente, mas “o problema é gente”, melhor deixar para as outras instituições humanas, por sinal, cheias de gente.


Por que insistimos em querer entender de negócios, sem entender essencialmente de gente? Como gente, que é vista como origem do problema, pode virar solução? A solução deve ser procurada, no mínimo, nas questões que têm o mesmo ciclo do problema. O ciclo de gente. Mas se não resolver, provavelmente o problema não é gente e está num ciclo ainda maior. Então, qual é, de fato, o problema das nossas organizações?

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