O que é a Coordenação de Projetos? Eis uma questão daquelas que todo mundo acha que sabe a resposta, mas quando vai explicar trava. Não é por menos, não é simples explicar uma atividade tão complexa. Pior que isso, é muito fácil reduzi-la a uma ou outro detalhe e não perceber a maior parte do que seja. Aliás, esse é o caso de grande maioria no mercado, entendem coordenação como algo que está muito aquém do que ela seja de fato. Por isso não a valorizam. Então, tome cuidado com explicações simplórias sobre o que é Coordenação de Projetos AEC (Arquitetura, Engenharia e Construção), a menos que você não queira mesmo compreendê-la.
Venho escrevendo textos sobre a Coordenação há vários anos, eventualmente em textos especificamente sobre ela (veja e-book Coletânea de Textos 2010 – 2015) e frequentemente citando-a em outros textos nos blogs e diversos e-books que disponibilizo. Não poderia ser diferente, tamanha a importância do tema. No livro “Redescobrindo o Processo do Projeto” há um capítulo inteiro dedicado à Coordenação (início da Parte 3 do livro, Capítulo 12).
Mas apesar de todo este esforço, temos consciência de que muito ainda pode ser dito sobre a Coordenação do Processo de Desenvolvimento do Projeto (PDP). Vamos aqui, mostrar outro enfoque possível para o tema.
O dever de competência profissional impõe a todos a obrigação de realizar trabalhos garantindo a qualidade dos resultados. Não se exige qualidade esmerada de um leigo, mas dos profissionais não se espera menos que isso. O Projeto AEC, como resultado de um Processo de Desenvolvimento do Projeto (PDP), pode e deve ser analisado no enfoque da qualidade.
Atalhando todo um discurso possível sobre Gestão da Qualidade, vamos destacar uma ferramenta muito conhecida para análise da qualidade dos resultados de processos, o Diagrama de Ishikawa, ou Diagrama Espinha de Peixe. Na prática, usa-se o diagrama como apoio para pesquisar as causas de algum tipo de falha num produto inspecionado. Ele ajuda a estruturar relações qualitativas de causa e efeito. Ou seja, dado um efeito, pode-se enumerar de forma estruturada as causas que o geram.
Embora seja muito útil para análise de falhas como efeito, é possível usá-lo para pesquisar genericamente tudo o que concorre para a geração do efeito “qualidade”. Isso mesmo, se queremos que o resultado apresente qualidade como característica, de quais causas devemos cuidar para garantir tal efeito?
Não devemos esquecer que a qualidade, na Gestão da Qualidade, é algo bastante objetivo. Qualidade pode ser facilmente entendida como o grau em que um determinado resultado atende aos requisitos postos como premissas para o processo produtivo. Na prática, tendo o resultado, avalia-se se ele atende os requisitos já conhecidos antes do processo de produção. Ou, entendendo no viés do planejamento, definido um resultado esperado com base nos requisitos que ele deve atender, que fatores devemos estruturar no processo produtivo para garantir sucesso na produção?
Tomando o Projeto AEC como resultado, a questão é: como estruturar o Processo de Desenvolvimento do Projeto AEC para garantir que ele atenda de forma objetiva aos requisitos pré-estabelecidos? É importante lembrar que isso é feito de forma objetiva, ou seja, não se trata de interpretação ou achismo (subjetividade) de uma ou outra pessoa; a qualidade deve ser inequivocamente e objetivamente comprovada, para que não reste dúvidas sobre ela.
O Diagrama de Ishikawa orienta a observação dos 6M: Método, Mão de Obra, Material, Medida, Meio Ambiente e Máquina. Essas são as categorias genéricas de causas que podem impactar o efeito no resultado. É preciso analisar uma a uma. É o que faremos.
O Material ou Matéria Prima do PDP são informações obtidas ou levantadas pela equipe de projeto junto às partes interessadas e no contexto de um empreendimento. Não é difícil pensar que matéria prima ruim não permite a geração de um resultado bom. Mas é fundamental perceber que boa parte da matéria prima do Projeto AEC, informações, é levantada pela própria equipe do projeto. Essa é uma situação vantajosa, pois a própria equipe de produção tem condição de buscar a matéria prima do processo. Logo, o PDP deve ser estruturado de modo a condicionar o levantamento e a disponibilização de Informações com a qualidade requerida.
Como exemplo, pensemos num levantamento topográfico que pode ser apresentado com base num sistema local de coordenadas ou com base em coordenadas geográficas. Qual o requisito crítico de qualidade para um específico empreendimento em relação a isso? Se as coordenadas geográficas são fundamentais, adotar o sistema local de coordenadas pode ser causa de uma não conformidade. Se o sistema local de coordenadas é suficiente, exigir coordenadas geográficas pode ser considerado custo ou esforço excessivo. É preciso lembrar que o uso de coordenadas geográficas exige a identificação de marcos topográficos oficiais e o transporte de coordenadas, às vezes de longas distâncias. Para algumas disciplinas de projeto isso pode ser fundamental, para outras, indiferente. Mas, para o empreendimento, qual é a premissa? Quem tem a perspectiva do empreendimento como um todo associada a uma análise técnica é a Coordenação e não as especialidades, por isso é ela quem deve orientar e balizar os requisitos para o Levantamento de Informações, ainda que este seja feito pelos especialistas da equipe de projeto. Raciocínio análogo pode ser feito com uma série de outros tipos de informações a serem levantadas.
Na categoria Máquina podemos pensar, no caso do Projeto AEC, nas tecnologias de informações mobilizadas para o PDP. Aqui estamos falando, por exemplo, do uso de BIM, ou CAD, ou qualquer outra plataforma de trabalho. É claro que as 6 categorias são diferentes, mas não independentes. Definições em uma podem influenciar outras e tudo impacta o resultado do processo. Selecionar “máquinas” ou tecnologias para o PDP não se trata apenas de buscar as melhores alternativas, pois cada uma demanda custos, equipes e prazos diferentes. A Coordenação, pensando na perspectiva e características do empreendimento e seu contexto, pode orientar a melhor seleção de recursos tecnológicos. É a Coordenação que estabelece, diante das diversas possibilidades tecnológicas para o PDP, qual a melhor estrutura para aquele empreendimento, com aquela equipe, com os custos viáveis, prazos condizentes e rigor na exigência de qualidade.
Se há conflitos tecnológicos entre especialidades, é a Coordenação que apoia a equipe na estruturação de soluções que permitam a conciliação para um bom desempenho do PDP. Veja que a Coordenação não está focada no produto (Projeto AEC), mas no processo para produzi-lo (PDP).
A categoria Mão de Obra, é claro, trata da composição da equipe de projeto. Planejamento da equipe, seleção, desenvolvimento e avaliação. É bastante óbvio que a composição da equipe influencia o resultado, sobretudo quando a matéria prima (informações) depende de interpretação e o produto é basicamente informação estruturada. O PDP é um processo extremamente sensível à mão de obra aplicada nele, pois é um processo de produção predominantemente humana. Lembrando mais uma vez da influência mútua entre as categorias de causas, a composição da equipe (mão de obra) impacta a própria estruturação do processo. Uma equipe que não domina certo tipo de tecnologia, por exemplo, impõe condições à estruturação do PDP. O mesmo ocorre em relação ao domínio que os profissionais têm de métodos, ou metodologias, de trabalho específicos e uma série de outros aspectos do PDP.
Meio Ambiente diz respeito ao contexto em que o PDP deve ocorrer. Desenvolver Projeto AEC para uma grande indústria, mesmo que o empreendimento seja pontual e de pequeno porte, tem um contexto bem diferente do mercado de incorporação imobiliária, por exemplo. As exigências técnicas, metodológicas, gerenciais etc. variam bastante. Um empreendimento de grande porte, que demande diversas instâncias de licenciamento e partes interessadas com forte poder de influência, exige estruturação do PDP específica, diferente de um empreendimento de pequeno porte, com muito menos exigências e condicionantes.
Por mais que se tenda a uma estruturação rígida, para padronização metodológica do trabalho, a Coordenação deve estruturá-lo coerentemente com o ambiente em que ele se desenvolverá. Invariavelmente, a flexibilidade do PDP para ajustes é um fator importante. Essa capacidade de adaptação é orientada e apoiada pela Coordenação às equipes especializadas.
Medida tem a ver com as verificações e controles necessários ao longo do processo e nos resultados dele. É possível definir no PDP controles e verificações mais gerais e flexíveis, ou mais específicos e rígidos. Essa definição não é uma questão subjetiva, pois a natureza do empreendimento induzirá a criação de estruturas de controle. Cabe à Coordenação buscar este entendimento e orientar a equipe. Todo PDP tem entregas intermediária relativas às etapas do desenvolvimento do Projeto AEC e a verificação destas entregas pode ser controlada com rigor ou com flexibilidade. Como estes eventos estão normalmente relacionados a pagamentos, liberações (licenciamentos), apresentações etc., a adoção de medidas de inspeção equivocadas pode impactar fortemente o desempenho e as relações, estabelecendo dificuldades ou impondo padrões de verificação condizentes com as exigências externas.
Enfim, os Métodos de trabalho dizem respeito à estruturação geral e conceitual do PDP, que influencia todas as definições nele. Há no mercado uma tendência maciça do uso da Engenharia Sequencial como base metódica, mas essa abordagem já se demonstrou ultrapassada e incompatível com os padrões de qualidade exigidos atualmente. A Engenharia Simultânea, entretanto, enfrenta grande dificuldade, não por não ser compreendida, pois os profissionais têm essa capacidade de compreensão, mas por não se saber estruturá-la na prática por falta de conhecimento mais profundo do PDP e de experiências pregressas com a simultaneidade e colaboração. Haja vista a dificuldade de implementação de PDP baseado em BIM em alto grau de maturidade, pois exigem, além da simultaneidade, o trabalho colaborativo. Impera ainda no mercado a mentalidade da Engenharia Sequencial com, no máximo, trabalho cooperativo. Cabe a Coordenação influenciar o processo nesta mudança de paradigma metodológico, com todos os seus aspectos culturais, tecnológicos, comportamentais e comerciais.
Neste enfoque baseado no Diagrama de Ishikawa, talvez fique mais fácil perceber a abrangência do trabalho de Coordenação do PDP, embora fique também claro o grau de dificuldade de expor o tema de forma simples. Como diria Descartes, “não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis”. Mas é preciso buscar a compreensão e o alcance do trabalho de Coordenação para que se consiga atribuir o devido valor a ele, pois, sem conhecer a luz, a escuridão nos permanece satisfatória.
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