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Foto do escritorRenê Ruggeri

Governança corporativa, uma questão existencial

Entendo que, para compreender e analisar a governança, é preciso retornar rapidamente ao conceito de organização (ou empresa). Uma organização é uma entidade constituída para operar segundo um processo de negócio (que observa um conjunto de métodos) para entregar um determinado resultado à sociedade. Não é à toa que toda organização tem um objetivo social (ou objeto social). O lucro obtido pelas organizações mercantis é uma espécie de prêmio por sua efetividade no cumprimento do objetivo. A sociedade (ou o mercado, mais propriamente neste aspecto) premia a organização valorizando o resultado que entrega acima dos custos de produção. O importante aqui é compreender que toda organização deve operar focada na entrega do seu objetivo social. O lucro é um aspecto típico do sistema capitalista. Fosse outro o sistema econômico, ainda assim, o objetivo social permaneceria.


Uma outra forma simples de entender a relação da organização com a sociedade é pensar nela como um sistema constituído de algumas pessoas que entregam resultados úteis (às vezes importantes e fundamentais) a outras pessoas. Por essa ótica, destaca-se o aspecto ético e moral.


É preciso compreender essa relação para compreender a governança. Eu diria, inclusive, que sem essa compreensão não é possível compreender nem mesmo o que é uma organização ou empresa, pois sua existência está fundamentada na relação com a sociedade. Aqui é explícita uma possível abordagem existencialista.

Dito isto, podemos pensar em governança.


Comecemos pelo dicionário, com um termo de formação etimológica similar: segurança. Diz o dicionário que segurança é o ato ou efeito de segurar, de tornar seguro.


Similarmente, governança seria o ato ou efeito de governar. E governar significa ter poder ou controle sobre um processo (o termo não se aplica apenas à usual conotação política no setor público). Pense naquilo que chamamos de “um carro desgovernado”. Por algum motivo perde-se o controle sobre o veículo. As causas podem ser muitas, mas o efeito é a perda do controle, não se tem mais o poder de dirigir o veículo.


Segurança é obtida tomando-se um conjunto de cuidados ao executar uma tarefa de modo a manter-se afastado do perigo. Em contextos complexos, esses cuidados são instituídos formalmente através de equipamentos, normas, instruções, conscientização, fiscalização, auditorias, tecnologias etc. tudo devidamente planejado de forma sistêmica. Ou seja, a segurança é um resultado obtido a partir de um sistema de recursos e artifícios formalmente e sistemicamente estabelecidos.


Com a governança não é diferente. O controle sobre processos complexos é construído a partir de um sistema de recursos e artifícios que, em conjunto, dão alguma garantia de manutenção ao ato de governar. Como na segurança, a governança é obtida a partir de normas, procedimentos, fiscalização, conscientização, auditorias, tecnologias etc. Assim, para governar de forma consistente é preciso estabelecer um sistema de governança.

Define o IBCG – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa:


“Governança Corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade.” (IBGC)


Propomos aqui uma definição que consideramos mais eficaz em termos didáticos, neste momento. Em essência diz a mesma coisa, mas com uma terminologia mais objetiva em relação ao conceito de governança. A definição do IBCG que apresentamos é genérica na primeira parte e tende a uma instrução na segunda. Ao direcionar o “como”, perde o foco no “o que”. Ressalto que isso não é uma crítica, mas apenas a forma de expor que atende a objetivos diferentes. Ajustei ao objetivo didático deste texto.


“Governança é o efeito que um sistema padronizado de arranjos, processos e procedimentos previamente estabelecidos proporciona aos agentes administrativos e produtivos de uma cadeia de relações econômicas, durante a obtenção planejada de resultados de forma justa, transparente, responsável e controlada, ao garantir aos mesmos o cumprimento perene de seus objetivos.” (RUGGERI)


Para um entendimento inicial, posso sugerir uma forma resumida da definição acima. Sugiro que o leitor invista algum tempo na compreensão de cada detalhe da definição.


“Governança é o efeito que um sistema proporciona aos agentes produtivos de uma cadeia de relações, durante a obtenção de resultados, ao garantir o cumprimento de seus objetivos.” (RUGGERI)


Coloco governança como o efeito de um sistema. Ou seja, se você não tem esse sistema formalmente instituído, não tem garantia de governança (ainda que ela seja obtida informalmente graças ao esforço e bom desempenho pessoal da equipe de gestão). Sem a formalização e, sobretudo, a sistematização (é preciso entender bem esse termo), qualquer variação ou mudança pode colocar a governança em risco. Lembre-se do carro desgovernado, imagino que ninguém queira isso para sua organização.



Mas, analisemos...


Qual é esse sistema? Normas, procedimentos, instruções, recursos e instrumentos administrativos e jurídicos, tecnologias etc. Há uma infinidade de componentes possíveis para o sistema de governança.


Quem são os agentes e quais são as relações econômicas? Empresas, investidores, órgãos públicos etc. em contratos, acordos, convênios, parcerias etc. Pode-se pensar em governança para relações não econômicas. Por exemplo, é comum que casais ou famílias instituam internamente um sistema de convivência (ainda que informalmente), o que, a rigor, mantem um nível de controle sobre as relações, mantendo e até garantindo que cada parte atinja seus objetivos. Isso, em essência, é governança.


Quais são os resultados? O atendimento a interesses e necessidades das partes. A cada relação estabelecida é possível estabelecer um resultado almejado por cada parte. Um sistema de governança, para ser justo, deve considerar e até garantir estes interesses (desde que alinhados com o objetivo social de cada organização). Perceba que, se uma das partes deixar de atingir seu interesse, a governança não foi efetiva, pois impediu que uma das partes agregasse uma meta a mais à sua razão de existir, o objetivo social.


Quais são os objetivos? Objetos sociais. Os resultados obtidos em cada relação estabelecida, de alguma forma, contribuem para o cumprimento dos objetivos sociais de cada parte. E aqui fica claro que a governança independe dos interesses dos gestores. Ela é impessoal, focada nos processos de negócios das organizações.


Na esfera pública diríamos que governança é questão de Estado e não de governo. Na esfera privada diríamos que governança é questão corporativa e não de diretoria. Ou seja, em qualquer caso, governança é obrigação institucional e não opção do agente gestor.


Governar é o ato de fazer o que deve ser feito com foco no objetivo social da organização e não o que se quer fazer com foco no interesse do agente. Não há uma separação precisa entre essas duas perspectivas, mas é possível identificar quais ações se fundamentam numa ou noutra.


Numa perspectiva mais filosófica, governança tem a ver com o conceito de estrutura cósmica admitido na filosofia clássica. Cada coisa tem seu lugar num sistema cósmico perfeitamente estruturado. Mas isso é uma outra análise. Quem sabe em algum outro texto...

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