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Criando cultura da colaboração na prática

Em texto anterior, abordamos os fundamentos da transformação cultural, enfatizando que a colaboração depende de uma cultura específica que a favoreça e estimule. A partir dessa reflexão, elaboramos o seguinte ciclo de transformação cultural, fundamentado nos elementos constitutivos da cultura em um grupo:

 


 Agora, buscamos analisar como esse processo pode se concretizar na prática, especialmente no contexto da construção civil e, mais especificamente, no desenvolvimento do Projeto do Produto (ou Projeto de Arquitetura e Engenharia). A escolha pela expressão "Projeto do Produto" é intencional: a tradicional separação entre Arquitetura e Engenharia não favorece a colaboração. Se desejamos cultivar uma cultura colaborativa, é preciso, desde o início, reconhecer que o resultado é fruto de uma construção coletiva, e não de uma simples soma de partes isoladas. Essa mudança de perspectiva já está prevista no ciclo de transformação cultural, ao tratarmos da importância das narrativas que consolidam a cultura.


A narrativa que reforça o isolamento entre disciplinas alimenta crenças que são incompatíveis com a intenção de fomentar um comportamento colaborativo.


É preciso destacar que colaboração não é a simples soma de resultados, mas sim a soma de esforços. Ou seja, um grupo colabora quando seus membros trabalham juntos para gerar um resultado. Quando apenas reúnem resultados obtidos isoladamente, estão cooperando — o que também é positivo, mas distinto. Já exploramos esse ponto em outros textos.


Por se tratar de um ciclo, não há um início fixo na transformação cultural; trata-se de uma representação de um processo complexo. No entanto, por didática, comecemos pela ação — ou, mais precisamente, pela relação. Toda ação em um grupo é, na realidade, uma relação, pois seus efeitos inevitavelmente impactam os demais membros. É fundamental compreender que não há ação isolada em um grupo colaborativo. Isso significa que, em qualquer iniciativa, deve-se ter consciência de como ela afetará ou influenciará os demais. Um dos fundamentos da cultura são os Dispositivos de Fronteira, que caracterizam pertencimento e lealdade.


A ação intencionando uma mudança cultural é normalmente realizada pela liderança (fundamento das Relações de Poder). Entretanto, ela será, imediatamente após tomada, avaliada pelos membros (segundo passo do ciclo, fundamento da Reflexão Crítica).


Com base no fundamento das Disposições Afetivas — desencadeador de transformações —, a liderança deve preparar os membros para a ação antes de executá-la (o que é diferente de apenas comunica-los). Isso reduzirá a resistência provocada pela surpresa e tornará a análise mais objetiva, menos emocional e mais construtiva. Essa prática está amplamente mapeada nas abordagens sobre Gestão de Mudanças.


Preparar o grupo para a ação não significa apenas explicar tecnicamente o que será alterado; essa explicação é necessária, mas não é o aspecto mais crítico. Trata-se de uma preparação emocional para um processo inevitavelmente desafiador, já que mudanças culturais mexem com Valores e Crenças — fundamento desencadeador de mudanças — que, por se retratar em Simbolismos, oferecem segurança identitária ao grupo e aos indivíduos. Embora não alcance a profundidade de uma mudança religiosa, possui natureza semelhante.


Esses processos são internos aos indivíduos, embora derivados da cultura estabelecida.


Induzir o grupo de projetistas a disponibilizar informações em uma base de dados — uma ação bastante comum — estimula, mas não sustenta, o compartilhamento, tampouco promove a colaboração, pois não há esforço conjunto nesse ato. O esforço colaborativo e a crença de que ele é desejável emergem da resolução de problemas de forma participativa. As pessoas se sensibilizam ao terem seus problemas resolvidos ou ao ajudarem a resolver os problemas dos outros. Compartilhar informações em um repositório é um comportamento necessário nesse esforço de resolução, ou seja, ele ajuda a sustentar a prática cultural do trabalho colaborativo (fundamento da Estrutura e Tecnologia), mas não a cria.


Uma ação mais efetiva na transformação cultural rumo à colaboração é a realização de reuniões para compatibilizar soluções conceituais,

preferencialmente no início do desenvolvimento do Projeto do Produto. Não se trata apenas de resolver interferências físicas — que, nesse estágio, podem ser até prematuras —, mas de conciliar as soluções com as necessidades de todos os projetistas e suas especialidades técnicas. A experiência mostrará que, eventualmente, será necessário priorizar alguma alternativa em benefício da solução geral, fruto desse trabalho conjunto. A solução construída colaborativamente é, sob a perspectiva do empreendimento, sempre superior à mera soma de soluções desenvolvidas de maneira sequencial e isolada.


No terceiro passo do ciclo, é fundamental ritualizar esse processo de incorporação da nova prática — as reuniões de criação de soluções integradas e multidisciplinares, que podemos chamar de reuniões de integração. Aqui, as lideranças enfrentam outro desafio: estabelecer as condições para que o novo ritual seja sustentável e não corra o risco de ser contestado. A frequência, a duração, os procedimentos dessas reuniões são elementos que podem sofrer resistência, pois concorrem com outras práticas. Em alguns casos, pode ser necessário eliminar práticas preexistentes para garantir espaço à assimilação do novo ritual. Essas reuniões de integração, por exemplo, eliminam diversos retrabalhos posteriores, mas é preciso mostrar isso, pois, como se iniciam cedo, nem sempre essa percepção é imediata. Não se trata de um ritual adicional, mas de uma prática que substitui, total ou parcialmente, outra já consolidada.


No início, alguns podem aderir por influência da liderança; outros, por afeto ao grupo; e alguns poucos, por compreenderem, por meio da Reflexão Crítica, as vantagens da nova prática. Após alguma vivência, a crença na efetividade se instala coletivamente.


É necessário, então, legitimar a nova crença, o que pode ser feito com um workshop para discuti-la com a equipe, buscando validação, melhorias e até resolução de divergências, normalmente simbólicas. Nesse momento, o grupo passa a ser corresponsável por ela, que até então vinha sendo impulsionada pela liderança, cumprindo-se o quarto passo do processo de transformação cultural.


A partir daí, é essencial tornar o grupo um arauto da nova crença, criando oportunidades para que seus membros a difundam, cada um à sua maneira, mas corroborando a mesma narrativa. Incentivar participações em conversas, eventos, produção de textos, entre outros, pode ser uma forma eficaz de alcançar esse objetivo. A narrativa relativa à nova crença ou ao novo valor deve ser amplamente difundida no grupo, consolidando-o como traço cultural. Após esse quinto passo, a transformação está madura para ser consolidada sistematicamente na organização. O que antes eram planos e experimentos se transforma em padrões que podem ser aprendidos objetivamente por novos membros e reforçados pelas narrativas já incorporadas à cultura do grupo.


É importante realizar os primeiros passos com consciência do ciclo completo, sabendo que, eventualmente, será preciso sensibilizar membro a membro. A dificuldade não reside apenas na prática, mas, sobretudo, nas convicções e crenças individuais. É aí que a cultura fixa seus fundamentos. Cada pessoa e cada crença demandam abordagens específicas, e há muito a ser feito para criar uma cultura na qual a colaboração seja uma prática regular.

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