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Foto do escritorRenê Ruggeri

Auditoria de Conceito: 10% a mais de receita com uma única observação

As auditorias em Projetos AEC costumam ser subestimadas por quem não tem muita vivência com elas. As análises mais comuns dizem respeito ao conteúdo dos documentos (Auditoria de Conteúdo), nas quais se busca avaliar a coerência interna das informações contidas nos documentos. Isso considera, inclusive, as incompatibilidades entre especialidades, o que, no final das contas, são incoerências. No BIM, os documentos vão sendo substituídos pelos modelos, o que ajuda bastante.


Ao avaliar a coerência do conteúdo dos documentos, não necessariamente se avaliar a coerência deste conteúdo com normas técnicas. O referencial de uma auditoria de conteúdo é a própria documentação e, no máximo, padrões de documentação considerados pela auditoria. Já a Auditoria Normativa considera normas técnicas, leis, resoluções e outros documentos oficiais como referenciais para a auditoria. É uma análise por outra perspectiva e não exclui a Auditoria de Conteúdo. Pelo contrário, são complementares.


Há ainda a Auditoria de Conceito, bem mais crítica e complexa. Neste caso, não há um referencial bem definido, pois avalia-se as soluções dadas para o Projeto AEC quanto aos objetivos do empreendimento. Os requisitos críticos, neste caso, são relacionados ao negócio associado ao empreendimento. A grande questão orientadora é: as soluções adotadas no Projeto AEC são, de fato, as melhores para o negócio?


Um dos grandes desafios na Auditoria de Conceito é traduzir o “melhor” em termos objetivos e práticos, para que tudo não passe de mera opinião subjetiva do auditor. Isto é possível, mas a perspectiva de análise do Projeto AEC precisa ser expandida para fronteiras maiores que ele mesmo e os apontamentos merecem explicações mais sofisticados.


Por exemplo, no contexto da implantação do empreendimento, uma boa diretriz é reduzir o custo da obra, mas, na perspectiva do negócio, pode ser investir de modo a gerar o melhor retorno financeiro. Isso pode implicar numa obra com custo um pouco maior, mas que permita, na operação do negócio, um retorno superior. E repare que este retorno é função dos custos envolvidos (de implantação e operacionais) e dos prazos, pois o tempo é variável fundamental na avaliação econômica de um investimento.


Para que não se crie julgamento equivocados, é muito importante destacar que a identificação de “soluções melhores” não significa baixa qualidade do projeto.

Desenvolver projetos é como escrever textos. Você pode revisitá-lo inúmeras vezes e sempre vai encontrar algo em que mexer, seja em forma, conteúdo ou conceito. Logo, se uma auditoria encontra soluções otimizadas, não é correto deduzir disso que a qualidade do projeto é ruim. Lembremos que um projetista sai do nada para criar algo e o auditor começa já no meio do caminho (que foi percorrido pelo projetista). São procedimentos complementares, por isso a auditoria deve ser encarada como parte da gestão da qualidade do projeto. Ou seja, parte do processo que busca a solução ideal.


Vamos a um exemplo prático em que uma mudança de conceito no Projeto AEC traduz-se em ganhos, tanto de redução de custos, quanto de ganhos operacionais. Os números são arredondados para facilitar o acompanhamento do leitor, mas as ordens de grandeza são reais. Aliás, o caso é real.


O empreendimento foi concebido em 3 pavimentos, sendo um subsolo e dois níveis de salas comerciais. O negócio do empreendedor seria obter renda com a locação das salas. Não vamos aqui discutir se é um bom negócio ou não, pois é o negócio interessante ao empreendedor na análise dele. Cabe à equipe de projetistas conceber um produto (edifício) que garanta o melhor desempenho neste aspecto.


Vermelho = perfil terreno natural.


A ideia central era aproveitar o declive natural do terreno com uma escavação relativamente pequena (em vermelho uma aproximação do perfil natural do terreno).


O custo global do empreendimento foi previsto em R$ 3.000.000,00 (valor arredondado).


A geotécnica do solo não favorecia as escavações, pois o solo era arenoso e fofo, ou seja, instável para escavações. Para agravar, numa das divisas havia recuo com o vizinho, mas a cota de implantação era nivelada com a rua, ou seja, havia um aterro. Na outra divisa, o vizinho construiu sem recuo, diretamente sobre a divisa. A arquitetura do prédio em pauta exigia regiões também sobre as divisas laterais em ambos os lados.


Situação do prédio nas divisas do terreno.


Nessas regiões de divisa, além da escavação para o subsolo, seria preciso aprofundar mais para execução das fundações. Alturas de escavação que variavam de 2,00 m a 3,50 m. Com aquele tipo de solo, a execução de contenções laterais para não afetar o vizinho era inevitável. A pequena largura do terreno não permitira solução arquitetônica que implicasse em estruturas afastadas suficientemente das divisas. A solução incluiria, inevitavelmente muros de contenções laterais no subsolo executadas com estacas (executado antes das escavações).


Contenção por estacas na divisa do lote com os vizinhos


As contenções laterais no terreno, para execução do subsolo, representam cerca de R$ 200.000,00 do custo da implantação, ou seja, 6,6%.


O prédio possui uma loja voltada para a rua, ao lado da recepção, mais oito salas no térreo. No superior, são 10 salas, totalizando 19 unidades.


É claro que, para o empreendedor, um maior número de salas a um mesmo custo global seria mais vantajoso. Com um custo por unidade de R$ 158.000,00 (R$ 3.000.000,00 / 19), dos quais 60% são custos específicos da sala e 40% custos com áreas comuns (inclusive o subsolo), o custo específico de uma unidade é de R$ 95.000,00. Os recursos consumidos nas contenções laterais, se revertidos em custo de salas correspondem a 2 salas, aproximadamente.



O que ocorreria se, em vez de escavar o subsolo, fosse aproveitado o terreno da forma como está, sem escavações (a não ser as inevitáveis para fundações dos pilares)? Não há contraindicação técnica para esta solução.


Duas consequências principais surgiriam de imediato:


  1. Eliminação das contenções laterais no subsolo

  2. A criação da recepção no nível da rua, com salas apenas no segundo e terceiro pisos, uma vez que o térreo acompanharia o declive do terreno mantendo o uso como garagem.


Azul escuro = recepção; azul claro = escada; amarelo = garagem térrea; vermelho = perfil do terreno.


As consequências dessa alteração de conceito, para o negócio, seriam:


  1. Redução de R$ 200.000,00 no custo (eliminação das contenções laterais no subsolo)

  2. Acréscimo de duas salas no segundo pavimento (que antes eram espaço da recepção e da loja com frente para rua). Esses acréscimos implicariam num custo adicional de R$ 190.000,00, aproximadamente.

  3. No térreo permaneceriam a recepção e a loja com frente para a rua.

  4. Redução do prazo de execução (pois a obra não dependeria das contenções laterais).


A configuração final do empreendimento seria:


  • ·Garagem do mesmo tamanho, apenas como pé direito variável.

  • Manutenção da recepção e loja no térreo

  • Acréscimo de duas novas unidades (aumento de rendimento operacional)

  • R$ 10.000,00 de redução no custo global da obra

  • Antecipação de receitas com a redução do prazo de obra.


Essa redução de custos talvez fosse consumida em razão do aumento do pé direito da garagem (que agora deve acompanhar aproximadamente o declive do terreno). Mas o ganho de duas unidades, mantendo o custo global da implantação, significa pouco mais de 10% no potencial de receita do negócio.


Seria um excelente negócio para o empreendedor, se a auditoria fosse realizada. embora o projeto já tenha obtido bons resultados. Esse seria o ganho em apenas uma das observações possíveis. Talvez houvesse outras, com possibilidades de outros ganhos.

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