Assim como o BIM não foi uma invenção da última década e sim uma demanda do século passado, que foi (ou vem sendo) implementada a duras penas pelo desenvolvimento tecnológico, o IPD (Integrated Project Delivery) é também uma demanda antiga. Aliás, um débito que tentamos pagar a partir de agora.
A dureza do termo “débito” deve ser bem entendida, pois é uma dívida que não compramos, mas recebemos de herança do século XX.
As teorias de projeto jamais pregaram que a separação entre as especialidades era necessária ou recomendada. Essa separação foi um reflexo da evolução científica cujo método de pensamento tem, como parte do procedimento metodológico, a compartimentação dos conteúdos. Não que essa compartimentação não fosse necessária ou adequada, claro, pois ela nos trouxe desenvolvimento tecnológico sem igual no último século. Mas foi mal compreendida e mal aplicada, afinal, não há um Descartes em cada esquina.
Incialmente, a proposta metodológica de Descartes (fundamento do atual método científico) propunha a decomposição dos problemas em parcelas “quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las”, mas na sequência da exposição, prescreve “de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir” (palavras de Descartes no Discurso do Método, em 1637).

Este final é que se deixou de lado. Paramos na decomposição dos problemas e esquecemos da “certeza de nada omitir”. Omitimos metodologicamente tudo que está fora da parcela da qual nos ocupamos.
O espírito do IPD é reunir estas parcelas num processo de produção único, cujo valor está além da mera instrumentalização tecnológica que o desenvolvimento das áreas de especialização nos trouxe até hoje. O IPD se sustenta no pensamento coletivo e na formação de cultura (que nenhum procedimento metodológico é capaz de modelar satisfatoriamente). A cultura de um coletivo não é soma dos pensamentos de cada componente. Ela possui um aspecto sinérgico que o IPD induz, subjacente a sua formulação instrumentalizadora dos processos de produção (sobretudo os criativos).
Para reforçar nossa limitada compreensão de Descartes, segue mais uma afirmação dele, usada como passo para o raciocínio sobre a necessidade ou o valor de construir um único pensamento sobre as coisas. Disse: “não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou” (Descartes, 1937).
Não defendia ele que trabalhássemos sozinhos, mas sim que para chegar à perfeição, seria preciso pensar como uma mente única. Ou será que alguém imagina que uma mente da envergadura de Descartes pensaria ser possível que uma só pessoa soubesse tudo? Trata-se de uma referência implícita numa crítica ao sistema educacional (que perdura até hoje) ao trabalho coletivo (colaborativo na terminologia contemporânea), mas de difícil compreensão para espíritos focados na instrumentalização da produção.
A pérola, para coroar, nas palavras de Descartes: ““muito estimo pedir aqui, aos nossos vindouros, que jamais creiam nas coisas que lhes forem apresentadas como vindas de mim, se eu próprio não as tiver divulgado”. Precisamos estudar mais as fontes que sustentam nossas verdades. Provavelmente descobriremos boa parte das ciladas intelectuais de que nos apropriamos atualmente. Para ser mais direto: deixemos de ser superficiais e meramente metodológicos (isso é coisa de máquina).
Por fim, Descartes manifesta alguma preocupação de que as gerações futuras o criticassem por não ter deixado contribuição melhor. Aqui estamos, quase 4 séculos depois, começando a entendê-lo para entregar resultados integrais (Integrated Project Delivery). Essa é a construção científica a que ele se referia, o quebra cabeça tem mais valor quando está completo.
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